O fuzilamento político

Um dos títulos mais sugestivos e reais que se poderia dar a esta matéria tão rica de detalhes e argumentos. A imprensa cavou, e como sempre faz, julgou e promoveu todas as condições para que este "fuzilamento" acontecesse. Fato é, que José Dirceu, é politicamente, a peça mais próxima do presidente, o homem forte da política nacional, o símbolo de tudo que os donos da mídia, os interesses infames dos poderosos, gostaria de ver e se submeter, como braço poderoso do Presidente da República.
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JOSÉ DIRCEU

Revogar um mandato popular só com provas. Só a população, pelo voto, é que tem o direito de fazer um julgamento político sem provas. José Márcio Camargo, economista-sócio da consultoria Tendências



A sabedoria popular adverte: "As aparências enganam". No conselho transmitido de geração para geração, os pais recomendam aos filhos que não se deixem levar pela ilusão das primeiras impressões. Para confiar cegamente em alguém ou em alguma coisa, é preciso ter certeza. Quanto mais graves as conseqüências desse juízo, mais absoluta e inequívoca deve ser a convicção. Sob pena de cometermos injustiças irreparáveis, levados por falsas percepções, mal-entendidos, mentes confusas ou manipulação de interesses, muitas vezes ilegítimos e inescrupulosos. Prova de que as aparências enganam é a falsa notícia que quase toda a imprensa transmitiu à opinião pública na semana passada. A sociedade foi iludida com a informação de que as CPIs dos Correios e da Compra de Votos "pediram" a cassação de deputados. Não foi isso que aconteceu. Quem ler com isenção o relatório verá que houve recomendação para que a Mesa Diretora da Câmara iniciasse processos para analisar os casos de parlamentares citados nas investigações.

As CPIs lavaram as mãos, deixando o juízo de valor para o Conselho de Ética e para o plenário da Câmara. Mas a impressão geral ventilada pela mídia foi a de um veredicto público. Tanto que essa foi a interpretação da Folha no editorial "A cassação de Dirceu" (pág. A2, 4/9). Esse tipo de distorção tem sido constante neste processo. Transmitem convicções falsas e ignoram, ou reduzem a importância de, fatos e declarações favoráveis aos denunciados. Só recebem destaque versões convenientes para respaldar o julgamento sumário, o fuzilamento político. Ao invés de investigar, apostam em declarações acusatórias, seja de quem for, venha de onde vier, mesmo sem filtro de credibilidade. Esse amontoado de fragmentos inconsistentes vai transformar-se na base de indícios que tende a prevalecer no julgamento político para saciar o "clamor nacional por punição". Nesse sentido, o relatório distorceu depoimentos para induzir conclusões erradas. Deturparam confirmações e afirmações de testemunhas, como Marcos Valério, Renilda de Souza e Emerson Palmieri. Transformaram suposições em assertivas. E suposições desmentidas por quem as teria induzido. Como foi o caso de Delúbio Soares, fato "esquecido" pelas comissões. Sem falar nos relatos do deputado Roberto Jefferson, que só merecem "elevado grau de verossimilhança" quando servem para me prejudicar. Esse conjunto de impressões falsas constrói o imaginário no qual se formará a convicção da sociedade e de seus representantes no Congresso. Por essa razão, meus advogados traçaram uma linha auxiliar de defesa visando um recurso ao Poder Judiciário em caso de eventual injustiça. Isso não é chicana. É acrescentar argumentos ao debate, aproveitando um caso individual para chamar a atenção sobre riscos futuros de outros parlamentares que exercem, tenham exercido ou venham a exercer cargos no Poder Executivo. Até agora, as CPIs estimularam o denuncismo irresponsável para criar um ambiente de horror, cenário favorável às ambições políticas de alguns de seus integrantes. Estão longe de comprovar o desvio sistêmico de dinheiro público, e a tese do mensalão vai ficando mais frágil à medida que o tempo passa e a evidência concreta não aparece. Como as aparências não se comprovam, recorrem a ilações subjetivas para justificar as decapitações políticas. Se fosse eu um superministro, como apregoa o editorial da Folha, não precisaria ter debatido tantos assuntos conflituosos nos grupos interministeriais coordenados pela Casa Civil. Se fosse um ditador no PT, não teria participado de disputas acirradas nem instituído o mais democrático processo de escolha de dirigentes partidários, com a participação de todos os filiados. Qual partido faz isso? Se houve algum ato isolado de corrupção no governo, não posso ser responsabilizado. Não recebi vantagens indevidas nem participei ou fui conivente com qualquer esquema destinado a captar e distribuir recursos a partidos ou parlamentares. Essa é a verdade. Tenho consciência de que estou sendo julgado não por meus eventuais erros ou supostos delitos, mas pelo que represento na história da esquerda, do PT e do governo Lula. Estou na linha de tiro, mas o objetivo das forças que me atacam é interromper o processo de organização dos trabalhadores e de consolidação de uma alternativa popular para o país. Se a Folha considera que nada será suficiente para apagar a convicção preconcebida de que exerci "papel ativo na trama de corrupção", é porque o processo está contaminado pelo prejulgamento próprio dos regimes autoritários. Nesse caso, a imprensa perde a legitimidade para formar opinião na sociedade. O julgamento é político. Mas, se não houver uma constatação inequívoca da quebra do decoro parlamentar, qualquer eventual condenação será ilegítima. Condenar pelas aparências, especialmente se o conjunto de indicações estiver distorcido, é romper a linha que separa a autoridade da tirania.

José Dirceu, 59, advogado, é deputado federal (PT-SP). Foi ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República (2003-5).

Publicado na Folha OnLine, em 6 de Setembro de 2005