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Este artigo foi escrito para a edição de novembro2005 da revista Caros Amigos
Veja é a pior revista do Brasil. Não é um título fácil de obter, porque ela tem duros competidores –Isto É, Época, Caras, Isto é Dinheiro, Quem? etc. etc. Mas Veja se esmera na arte da vulgaridade, da mentira, do sensacionalismo, no clima de “guerra fria”, em que a revista defende as cores do bushismo no Brasil. A revista, propriedade privada da família Civita, merece o galardão.
Todo país tem esse tipo de publicação extremista, que defende hoje prioritariamente os ideais dos novos conservadores estadunidenses. Herdam os ideais da guerra fria, se especializam em atacar a esquerda, reproduzem as mesmas matérias internacionais e as bobagens supostamente científicas sobre medicamentos, tratamentos de pele, de problemas psicológicos, de educação, para tentar passar por uma revista que atende a necessidades da família.
Seus colunistas são o melhor exemplo da vulgaridade e da falsa cultura na imprensa brasileira. Uma lista de propagandistas do bushismo, escolhidos seletivamente, reunindo a escritores fracassados, a ex-jornalistas aposentados, a autores de auto-ajuda, a profissionais mercantis da educação, misturando-se e mesclando esses temas em cada uma das colunas e nos editoriais do dono da revista. Uma equipe editorial de nomes desconhecidos cumpre a função de “cães de guarda” dos interesses dos ricos e poderosos – que, em troca, anunciam amplamente na revista – de plantão.
O MST, o PT, a CUT, os intelectuais críticos - são seus alvos prioritários no Brasil. Para isso tem que desqualificar o socialismo, Cuba, a Venezuela, assim como tudo o que desminta o Consenso de Washington, do qual é o Diário Oficial no Brasil.
Só podem fazer isso mentindo. Mentindo sobre o trabalho do MST com os trabalhadores do campo, nas centenas de assentamentos que acolhem a centenas de milhares de pessoas, famílias que viveram secularmente marginalizadas no Brasil. Têm que esconder o funcionamento do sistema escolar nacional que o MST organizou, responsável, entre outras tantas façanhas, de ter feito mais pela alfabetização no Brasil do que todos os programas governamentais. A Veja não sabe o que é agricultura familiar, com sua mentalidade empresarial se soma ao agronegócio, aos transgênicos e à agricultura de exportação. Ao desconhecer tanta coisa, a Veja tem que mentir para esconder tudo isso dos leitores, passando uma imagem bushiana do MST.
Mentem sobre Cuba, porque escondem que nesse país se produziu a melhor saúde pública do mundo, que ali não há analfabetos – funcionais ou não -, que por lá todos tem acesso – além de saúde, educação, casa própria, a cultura, esporte, lazer. Que o IDH de Cuba é bastante superior ao brasileiro.
A Veja tem que mentir sobre a Venezuela, país em que se promove a prioridade do social, com ¼ dos recursos obtidos com o petróleo irrigando os programas sociais. Que o governo de Hugo Chávez triunfou sobre a mídia privada golpista – as Vejas de lá -, pelo apoio popular que granjeou, quando a Veja, defasada – como sempre – já noticiava na sua capa a queda de Chávez. Depois o governo venezuelano derrotou a oposição em referendo previsto na Constituição daquele país, em que os eleitores, no meio do mandato, se pronunciam sobre a continuidade ou não do governo, em um sistema mais democrático que em qualquer outro lugar do mundo.
A Veja mente sobre os efeitos da globalização neoliberal, que concentrou renda como nunca na história da humanidade, que canaliza recursos do setor produtivo para o especulativo, que cassa os direitos básicos da grande maioria da população, que não retomou o crescimento econômico, como havia prometido.
A Veja mente quando anunciou a morte do PT, no mesmo momento em que mais de 300 mil membros do partido, demonstrando vigor inigualável em qualquer outro partido, foram às urnas escolher, por eleição direta, seus novos dirigentes, apesar da ruidosa e sistemática campanha da mídia bushista brasileira.
A Veja mente para tentar demonstrar que a política externa brasileira é um fracasso, quando ninguém, dentre os comentaristas internacionais, daqui ou de fato, acha isso. Ao contrário, a formação do Grupo dos 20 na última reunião da OMC, o bloqueio ao inicio de funcionamento da ALCA – lamentado pela revista bushista.
A Veja mente, mente, mente, desesperadamente, porque suas verdades são mentiras, porque representa o conservadorismo, a discriminação, a mentalidade mercantil, a repressão, a violência, a falsa cultura, a vulgaridade – enfim, o que de pior o capitalismo brasileiro já produziu. Choca-se com o humanismo, a democracia, a socialização, os interesses públicos. Por isso, para “fabricar consensos” – conforme a expressão de Chomsky, a Veja mente, mente, mente, desesperadamente.
Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".
Emir Sader